[MCTB019-17] §3 — O Princípio de Indução e demonstrações por indução

3.1. Princípio da Boa Ordem (PBO)

Definição 16 O natural {m} é menor elemento de um conjunto {A \subset {\mathbb N}} não vazio se, e só se,

\displaystyle \begin{array}{rcl} &(1)&m\in A \text{ e }\\ &(2)&\forall x\in A,~a\leq x. \end{array}

Vamos assumir o seguinte princípio como um axioma.

Princípio da Boa Ordem: Todo {A \subset {\mathbb N}} não-vazio tem um menor elemento.

Esse fenômeno não ocorre nos conjuntos numéricos como {{\mathbb Q}} e {{\mathbb R}}. Por exemplo o intervalo {(0,1]} em {{\mathbb R}} não tem menor elemento, enquanto que {[0,1]} em {{\mathbb R}} tem menor elemento. Essa é uma das propriedades que caracterizam os números naturais, todo subconjunto não-vazio tem menor elemento.

Esse princípio pode ser usado em demonstrações, usualmente provas por contradição: supomos que um {A} formado por contra-exemplos do que se quer provar é não vazio e derivamos uma contradição, concluindo que {A} é vazio.

Teorema 20 Qualquer postagem que custe pelo menos oito reais pode ser feita com selos de {3} e {5} reais.

Demonstração: Vamos chamar {n\in {\mathbb N}} de postal se {n+8} pode ser um valor obtido a partir de selos de {3} e {5} reais. Por exemplo {0} é postal pois {8=3+5}, também {1} é postal pois {9 = 3\cdot 3 + 0\cdot 5} e {2} é postal pois {10= 0\cdot 3+ 2\cdot 5}.

O teorema afirma que para todo {n\in {\mathbb N}}, n é postal. Suponha que a afirmação do teorema é falsa. Seja {A\subseteq {\mathbb N}} o subconjunto dos naturais não-postais. Por hipótese {A\neq \emptyset}, portanto tem um menor elemento {m}. Pelas considerações acima sabemos que {m\geq 3}. Se {m\geq 3} então {m-3 \in {\mathbb N}} e é postal, existem naturais {x} e {y} tais que {m-3=x\cdot 3 + y\cdot 5}.

Se {m-3=x\cdot 3 + y\cdot 5} então {m=(x+1)\cdot 3 + y\cdot 5}, uma contradição. \Box

Exercício 12 Prove usando o PBO. Para todo inteiro {n \geq 5}, existem naturais {a} e {b} tais que {n= 2a + 5b}.

(Solução)

Teorema 21 Não existe um número natural entre {0} e {1}.

Demonstração: Suponha que a afirmação do teorema é falsa e seja {A} o conjunto dos naturais entre {0} e {1}. Por hipótese {A \neq\emptyset} logo tem um menor elemento {m}, {0<m<1}.

Se {m<1} então {m^2 < m}, uma contradição ao fato de {m} ser mínimo pois {m^2\in {\mathbb N}}. Portanto, {A=\emptyset}. \Box

Teorema 22 Todo número natural tem um divisor primo.

Demonstração: A prova dessa afirmação é por contradição, suponha que não é todo natural que admite um divisor primo e seja {A} o subconjunto desses naturais. Por hipótese {A\neq \emptyset}, portanto tem um menor elemento {m}.

Se {m\in A} então {m} não é primo, logo {m=a\cdot b} com {1 < a,b < m}. Todo divisor primo de {a} (e de {b}) divide {m}, portanto {a\in A}, uma contradição ({a} é menor que o menor elemento de {A}). \Box

Exercício 13 {A\subseteq {\mathbb N}} é dito limitado superiormente se existir um natural {n} tal que

\displaystyle \forall x\in A,~ x\leq n

e se {n} com a propriedade acima pertence a {A} ele é dito maior elemento de {A}. Mostre que se {A} é limitado superiormente e não vazio então admite maior elemento.

3.2. Princípios de indução

Há várias formulações equivalentes para o Princípio de Indução.

Teorema 23 (Princípio da Indução finita (PIF)) Seja {X\subseteq{\mathbb N}}. Se

  1. {0\in X} e
  2. para todo {k\in {\mathbb N}}, {k\in X \rightarrow k+1\in X},

então {X={\mathbb N}}.

Demonstração: Seja {X} um subconjunto dos naturais que satisfaz as hipóteses do teorema. Suponha que a conclusão do teorema seja falsa, ou seja, suponha que {X\subsetneqq {\mathbb N}}. Então {A={\mathbb N} \setminus X} é não vazio e, pelo PBO, tomamos {m} o menor elemento de {A}.

De {0\in X} temos {m \geq 1}, portanto {m-1} é natural. Pela minimalidade de {m} temos que {m-1\in X}. Pela hipótese 2 do teorema, se {m-1\in X} então {m \in X}. Portanto {m\in X}, uma contradição. \Box

A forma mais comum desse princípio é enunciada como a seguir.

Corolário 24 (Princípio da Indução finita (PIF)) Seja {P(n)} um predicado de números naturais. Se valem

  1. {P(0)} e
  2. para todo {k\geq 0}, {P(k)} implica {P(k+1)},

então {P(n)} para todo natural {n}.

Demonstração: Seja {P} um predicado com as hipóteses dadas. Faça {X= \{k\in {\mathbb N} : P(k)\}} e temos, da hipótese 1, {0\in X} e da hipótese 2, se {k\in X} então {k+1\in X}. Assim, estamos nas hipóteses do teorema 23 e podemos concluir que {X={\mathbb N}}, ou seja, {P(n)} é verdadeiro para todo natural {n}. \Box

Corolário 25 (Princípio da Indução finita generalizado (PIF)) Sejam {P(n)} um predicado de números naturais e {a\in{\mathbb N}}. Se valem

  1. {P(a)} e
  2. para todo {k\geq a}, {P(k)} implica {P(k+1)},

então {P(n)} para todo natural {n\geq a}.

Demonstração: Como na demonstração anterior, agora faça {X= \{k\in {\mathbb N} : P(k+a)\}} e temos pelo teorema 23 que {X={\mathbb N}}. Se {P(n+a)} é verdadeiro para todo {n\geq 0} então {P(n)} é verdadeiro para todo {n\geq a}. \Box

Teorema 26 (Princípio da Indução finita completo (PIFc)) Seja {X\subseteq{\mathbb N}} tal que

  1. {0\in X}
  2. para todo {k\in {\mathbb N}}, {\{0,1,\dots,k\}\subset X \rightarrow k+1\in X}.

Então {X={\mathbb N}}.

Demonstração: Seja {X\subseteq {\mathbb N}} que satisfaz as hipóteses do teorema.

Defina o conjunto {Y= \{ n\in{\mathbb N} : \{0,1,\dots,n\} \subseteq X\}}.

Então {0\in Y} pela condição 1 da hipótese do teorema.

Considere um natural arbitrário k e suponha que k\in Y. Se k\in Y  então k+1\in Y pela condição 2 da hipótese do teorema. Portanto, para todo {k\in{\mathbb N}}, k\in Y \to k+1\in Y.

Pelo PIF, {Y={\mathbb N}} portanto {X={\mathbb N}}. \Box

Corolário 27 (Princípio da Indução finita completo (PIFc)) Seja {P(n)} um predicado de números naturais. Se 

  1. {P(0)} e
  2. para todo k\geq 0, P(0) e P(1) e \dots e P(k) implica P(k+1),

então {P(n)} é verdadeiro para todo natural {n\geq 0}.

Demonstração: Exercício. \Box

Corolário 28 (Princípio da Indução finita completo generalizado (PIFcg)) Sejam {P(n)} um predicado de números naturais e {a\in{\mathbb N}}.  Se

  1. {P(a)} e
  2. para todo {k\geq a}, P(a) e P(1) e \dots e P(k) implica P(k+1),

então {P(n)} para todo natural {n\geq a}.

Demonstração: Exercício. \Box

Exercicio 14A (Outro princípio de indução) Verifique o seguinte Princípio de Indução Finita: Seja {P(n)} um predicado a respeito de {n\in{\mathbb N}}. Se

  1. {P(0)} e {P(1)} e … e {P(k)} e
  2. para todo {n\in{\mathbb N}}, Se {(P(n)} e {P(n+1)} e … e {P(n+k-1))} então {P(n+k)}

então {P(n)} para todo {n\in{\mathbb N}}.

Exercício 14B (Outro princípio de Indução) Seja {a_i} uma sequência (estritamente) crescente de números naturais. Verifique o seguinte Princípio de Indução Finita: Seja {P(n)} um predicado a respeito de {n\in{\mathbb N}}. Se

  1. {P(a_i)} para todo {i\in {\mathbb N}} e
  2. {P(j)} implica {P(j-1)} para todo {j> a_1}

então {P(n)} para todo {n\geq a_1}.

3.3. Equivalência

Acima deduzimos PIFc de PIF e PIF de PBO. Todos esses princípios são, de fato, equivalentes, logo se assumimos qualquer um deles o outro pode ser provado. Para provar a equivalência vamos provar que PBO segue de PIFc e teremos

\displaystyle \mathrm{PBO}\Rightarrow \mathrm{PIF} \Rightarrow \mathrm{PIFc} \Rightarrow \mathrm{PBO}

Demonstração: [Demonstração de PIFc {\Rightarrow} PBO]
Seja {A\subset {\mathbb N}} não vazio. Vamos provar que {A} tem um menor elemento. A prova é por contradição, suponha que {A} não tem menor elemento. Definimos

\displaystyle X:=\{n\in{\mathbb N} : n \not\in A\}

e vamos provar
que: {(i)} {0\in X}, e {(ii)} para todo {k\in{\mathbb N}}, se {\{0,\dots,k\} \subset X} então {k+1\in X}.

Se {0\not\in X} então {0\in A}, portanto {0} é o menor elemento de {A}, contradição. Com isso provamos que {0\in X}. Seja {k\geq 0} arbitrário e suponha {\{0,\dots,k\} \subset X}. Se {k+1\not\in X} então {k+1\in A}, portanto {k+1} é o menor elemento de {A}, já que {\{0,\dots,k\} \subset X}, contradição. Portanto {k+1\in X} e, generalizando universalmente, provamos para todo {k\in{\mathbb N}}, se {\{0,\dots,k\} \subset X} então {k+1\in X}.

Com {(i)} e {(ii)} podemos usar o PIFc para concluir que {X={\mathbb N}}, ou seja {A=\emptyset}, uma contradição. Portanto, A tem menor elemento. \Box

3.4. Demonstrações por indução

Indução matemática também é uma técnica de prova para proposições da forma {\mathrm{para~todo~} n\geq a,~P(n)}. Numa prova por indução provamos {P(a)} (isto é, verificamos que a instanciação da variável com {a} resulta numa sentença verdadeira) que é dito a base da indução e provamos {\forall n\geq a\big(P(n) \rightarrow P(n+1)\big)} (usando as estratégias que já aprendemos para isso) que é dito o passo da indução.

Exemplo: Para todo {n\in{\mathbb N}}, {0+1+\cdots+n = n(n+1)/2}.

base: Para n=0 a igualdade afirmada se verifica {0 = 0(0+1)/2}

passo: Seja {k\geq 0} um natural arbitrário e suponha que {0+1+\cdots+k = k(k+1)/2}. Precisamos mostrar que {0+1+\cdots+k +( k+1 ) = (k+1)(k+2)/2}.

Exemplo: Para todo {n \geq 5}, {2^n > n^2}.

base: Para n=5 a desigualdade afirmada se verifica {2^5 > 5^2}.

passo: Seja {k\geq 5} um natural arbitrário e suponha que {2^k > k^2}. Precisamos mostrar que {2^{k+1} > (k+1)^2}.

A base é importante, sem ela poderíamos pensar que sabemos provar

{n(n+1)} é ímpar para todo {n\geq1}

que obviamente não vale, pois conseguimos provar a implicação do passo da indução para essa sentença. Vamos provar que

para todo {n\geq1}, {n(n+1)} ímpar {\rightarrow (n+1)(n+2)} ímpar.

Seja {t>1} um natural e suponha que {t(t+1)} é ímpar. Então

\displaystyle \begin{array}{rcl} (t+1)(t+2) = (t+1)t + (t+1)2 \end{array}

que é da forma “ímpar {+} par”, portanto ímpar.

O passo é importante, uma prova descuidada do passo indutivo pode por tudo a perder. Por exemplo, vamos provar que todos os naturais são iguais. Tomemos {\max \{a,b\}} como o maior dentre os naturais {a} e {b}, por exemplo, {\max \{1,2\}=\max\{2,1\}=2} e {\max\{3,3\}=3}.

Seja {P(n)} a sentença

\displaystyle \forall a\in{\mathbb N}\,\forall b\in{\mathbb N}\, (\max\{a,b\}=n \rightarrow a=b).

Se {\max\{a,b\}=0} então {a=b=0}, portanto {P(0)} é verdadeiro.

Seja {t\in{\mathbb N}} arbitrário e assuma {P(t)}, isto é, que

\displaystyle \forall a\,\forall b\, (\max\{a,b\}=t \rightarrow a=b).

Vamos provar {P(t+1)}, isto é, que {\forall a\,\forall b\,(\max\{a,b\}=t+1 \rightarrow a=b)}.

Sejam {a} e {b} naturais arbitrário tais que {\max\{a,b\}=t+1}.

Se fizermos {x=a-1} e {y=b-1}, então {\max\{x,y\}=t} e, pela hipótese da indução, deduzimos que {x=y}. Mas, se {x=y} então {a=b}. Portanto {a=b}, e com isso temos {P(t+1)}.

Pelo PIF, {P(n)} é verdadeiro para todo {n\in{\mathbb N}}.

Para concluir, sejam {a} e {b} números naturais. Se {\max\{a,b\}=a} então {a=b} por {P(a)}. Se {\max\{a,b\}=b} então {a=b} por {P(b)}. Logo quaisquer dois números naturais são iguais.

Qual é o problema da demonstração? (Solução)

Exemplo: Todo polígono convexo com {n \geq 3} lados pode ser decomposto em {n-2} triângulos.

Exemplo: Se em {2^n} moedas 1 é falsa, mais leve, então é possível descobrir a moeda falsa em {n} pesagens numa balança de 2 pratos.

Demonstração: Se {n=0} então a afirmação vale trivialmente, a única moeda é a falsa.

Seja {k\geq 0} um natural arbitrário e suponha que para {2^k} moedas sabemos encontrar a mais leve usando {k} pesagens. Consideremos um conjunto com {2^{k+1}} moedas e dividimos as moedas em duas partes iguais de {2^k} moedas. Comparamos essas metades usando 1 pesagem e na metade mais leve achamos a moeda falsa com {k} pesagens, totalizando {k+1} pesagens.

Portanto, pelo PIF, se em {2^n} moedas 1 é mais leve, então é possível descobrir a moeda leve em {n} pesagens, para qualquer {n\geq 0}. \Box

Exemplo: Para todo natural {n \geq 2}, {n} é primo ou pode ser escrito como produto de primos.

Numa tentativa de prova usando o corolário 24 temos:

—a base é fácil, {n=2} é primo;
—no passo temos que provar que se {n} é primo ou produto de primos então {n+1} é primo ou produto de primos. Se {n+1} é primo a implicação é verdadeira (vacuidade), se {n+1} é composto então, por definição de número composto {n+1 = ab} onde {1 \leq a , b \leq n} são números naturais. Se soubéssemos que {a} e {b} são primos ou produtos de primos então {n+1} seria produto de primos, mas só o que sabemos é que {n} é produto de primos.

Esse problema pode ser contornado com o corolário 27. Se a hipótese vale para todo {k\leq n} então {a} é produto de primos, {b} é produto de primos, portanto {a\cdot b} é produto de primos:

Seja {P(n)} a sentença {n} é primo ou pode ser escrito como produto de primos.

base: {2} é primo, portanto {P(2)}.

passo: Seja {k\geq 2} um natural arbitrário e suponha

\displaystyle P(2) \land P(3) \land\cdots\land P(k) \ \ \ \ \ (25)

Precisamos provar {P(k+1)}. Em dois casos: {(i)} se {k+1} é primo então {P(k+1)}. {(ii)} se {k+1} não é primo então {k+1=ab} com {2\leq a,b\leq k}. Pela hipótese (25) valem {P(a)} e {P(b)} portanto {ab} é um produto de primos, portanto {P(k+1)}. Pelo PIFc, {P(n)} para todo {n\geq 2}.

Outro exemplo de prova errada: Seja {P(n)} a sentença: para todo {n} natural, {6n=0}.

Vamos provar {P(n)} por indução em {n}. Para {n=0} a sentença {P(0)} é, claramente, verdadeira.

Seja {t} um natural arbitrário e vamos provar que {P(0) \land P(1) \land \cdots \land P(t) \rightarrow P(t+1)}.

Assuma {P(0) \land P(1) \land \cdots \land P(t)}. Então {6(t+1) = 6\cdot t + 6\cdot 1} e, por {P(t)} e {P(1)} temos {6\cdot t + 6\cdot 1 = 0+0 =0}.

Portanto {6(t+1) = 0}, ou seja {P(t+1)}.

Pelo PIFc, {P(n)} vale para todo {n}.

Qual o erro?

3.5. Princípio da casa dos pombos

O princípio da casa dos pombos diz que se em {n} casas ({n\geq 1}) distribuirmos mais de {n} pombos, então alguma caixa conterá mais de um pombo.

Teorema 29 (PCP) Se em {n} caixas ({n\geq 1}) distribuírmos {n+1} objetos, então alguma caixa conterá mais de um objeto.

Demonstração: Provaremos usando indução no número de caixas {n}.

Se {n=1} a afirmação é verdadeira.

Seja {k\geq 1} arbitrário e suponha que se distribuímos {k+1} objetos em {k} caixas, então alguma caixa conterá mais de um objeto.

Considere que {k+2} objetos são distribuídos em {k+1} caixas. Escolhemos uma das caixas, se essa caixa escolhida tem mais de um objeto, a afirmação está provada. Senão, na caixa escolhida há no máximo um objeto. Isso significa que {k+1} objetos foram distribuídos nas outras {k} caixas restantes logo, por hipótese, alguma caixa restante conterá mais de um objeto. \Box

Exercício Sejam {A_1,A_2,\dots,A_n} conjuntos e {n\geq 2}. Suponha que para dois conjuntos quaisquer {A_i} e {A_j} vale que {A_i\subseteq A_j} ou {A_j \subseteq A_i}. Prove, por indução, um desses conjuntos é subconjunto de todos eles.

Exercício Deduza o PIF do PCP.


3.6. Definições recursivas

Definição 17 Quando a indução é usada para definir objetos chamamos de definição recursiva .

Conhecemos vários exemplos de definição recursiva

  1. o fatorial: {0!=1} e para todo {n> 0}, {n! = n\cdot (n-1)!};
  2. o somatório: {\sum_{i=0}^0 x_i= x_0} e para todo {n > 0}, {\sum_{i=0}^{n} x_i = x_n + \sum_{i=0}^{n-1}x_i};
  3. o produtório: {\prod_{i=0}^0 x_i= x_0} e para todo {n > 0}, {\prod_{i=0}^{n} x_i = x_n \cdot \prod_{i=0}^{n-1}x_i};
  4. exponencial: {a^0=1} e e para todo {n>0}, {a^{n} = a^{n-1}\cdot a};
  5. sequência de Fibonacci: {F_0 = 0}, {F_1=1} e {F_n=F_{n-1}+F_{n-1}} para todo {n\>2}.

Definimos qualquer função com domínio {{\mathbb N}} recursivamente em duas etapas: na base especificamos o valor da função {0} e no passo damos uma regra para encontrar seu valor em um inteiro {n} em função de seus valores no inteiros menores que {n}. Tal definição é chamada de definição recursiva ou indutiva.

Definição 18 Uma função {f:{\mathbb N}\rightarrow{\mathbb R}} é o mesmo que uma sequência {a_0, a_1, \dots} com {f(i) = a_i}. Uma recorrência é uma sequência definida recursivamente.

As funções definidas recursivamente estão bem definidas. Isso significa que dado qualquer {n} podemos usar as duas partes da definição para encontrar o valor da função no ponto {n} de forma inequívoca.

Exercício 16 Use o PIF para provar que uma função {F} definida pela especificação de {F (0)} e uma regra para obtenção de {F (n + 1)} a partir de { F (n)} está bem definida.

Exercício 17 Use o PIFc para provar que uma função {F} definida especificando {F (0)} e uma regra para obter {F (n + 1)} dos valores {F (k)} para {k = 0, 1, 2,\dots, n} está bem definida.

Exemplo: uma progressão aritmética que começa em {a\in{\mathbb R}} e tem razão {r\in{\mathbb R}} é uma sequência {a_0,a_1,\dots} tal que

\displaystyle \begin{array}{rcl} a_0 &=& a \\ a_{n+1} &=& a_n + r \text{ para todo }n\geq 0. \end{array}

Podemos provar por indução que para todo {n}, {a_n=nr+a}. De fato, a base ({n=0}) é verdadeira, {a_0 = 0r+a=a} portanto confere com a definição. Seja {k} um natural arbitrário e suponha que {a_k = kr+a}. Vamos provar que {a_{k+1}=(k+1)r+a}.

{a_{k+1} = a_k + r} por definição e {a_k = kr+a} por hipótese. Portanto, {a_{k+1} = (k+1)r+a}. Portanto, pelo PIF, para todo {n}, {a_n=nr+a}.

Exercício 18 Uma progressão geométrica é uma sequência definida pela recorrência {x_0 = a} e { x_n = x_{n-1} \cdot r} para todo {n>0} onde {a} e {r} são valores reais, chamados de termo inicial e razão da progressão. Prove usando indução que o termo geral de uma progressão geométrica é {x_n = ar^n} para todo {n\geq 0}.

Teorema 30 Defina {X\subset {\mathbb N}} por

  1. {1\in X}
  2. para todo {a\in X}, {a+2 \in X}.

OS únicos elementos em X são os obtidos pela aplicação dessa regras. Então {X} é o subconjunto dos naturais ímpares.

Para provar que {X=\{2n+1:n\in{\mathbb N}\}} provaremos duas inclusões {X\subseteq \{2n+1:n\in{\mathbb N}\}} e {\{2n+1:n\in{\mathbb N}\}\subseteq X}.

Demonstração:

Provamos que {X\subseteq \{2n+1:n\in\mathbb N\}} por contradição. Suponha existir um elemento de {X} que não está em {\{2n+1:n\in\mathbb N\}}. Então {A := \{ n\in \mathbb N \colon n\in X \text{ e } n \text{ n\~ao \'e \'impar}\}\neq \emptyset}. Seja {m} o menor deles, que existe pelo PBO. Certamente {m>1}. De {m>1} temos {m-2\in \mathbb N} e da definição {m-2\in X}. De {m} mínimo, {m-2 \in \{2n+1:n\in\mathbb N\}}, portanto {m=2(k+1)+1} e {m\in A}, uma contradição.

Para provar que {\{2n+1:n\in\mathbb N\}\subseteq X} vamos usar indução. A base: para {n=0} temos {2\cdot 0+1 =1} e {1 \in X} pela hipótese 1 do enunciado do teorema. Seja {k\in\mathbb N} arbitrário e suponha que {2k+1\in X}. Então {2k+1+2 \in X}, pela hipótese 2 do teorema, ou seja, {2(k+1) +1 \in X}. Pelo PIF temos {2n+1\in X} para todo {n}.\Box

Exercício 19 Suponha que um casal de urubus começa a dar crias com dois anos de idade, e produz {6} crias (três casais) de urubuzinhos a cada ano. Suponha que um lixão começou a ser frequentado por {1} casal recém-nascido e que nenhum urubu é acrescentado ou eliminado do lixão. Escreva uma definição recursiva para o número de urubus que existem no ano {n}.

Exercício Considere um conjunto S de números naturais definido recursivamente da seguinte maneira:

  1. 3\in S;
  2. se x\in S e y\in S então x+y\in S.

Prove que S é o conjunto dos naturais múltiplos de 3.

Obs: x, y acima não são necessariamente distintos. Os únicos elementos de S são os obtidos pelas regras acima.
Dica: Primeiro prove que para todo natural n, vale 3n\in S. Depois prove que todo elemento de S é múltiplo de 3.

Deixe um comentário