Seja uma função definida no intervalo , façamos e consideremos o intervalo dividido pelos pontos em partes não necessariamente de mesmo comprimento. Em cada subintervalo escolhemos um ponto arbitrário () e consideremos os retângulos de altura e base .
é chamada Soma de Riemann relativa aos pontos e , . Geometricamente, essa soma corresponde a diferença entre a soma das áreas dos retângulos de altura que estão acima do eixo e a soma das áreas dos retângulos abaixo do eixo .
Queremos saber se quando o número de subintervalos aumenta indefinidamente e ao mesmo tempo o tamanho dos intervalos tende a zero, então o limite da sequência existe e de forma independente das escolhas dos pontos e . Para sermos mais precisos, escrevemos
se para todo existir tal que sempre que para todo , independentemente da escolha dos e dos .
A integral definida da função no intervalo é
e quando tal integral existe dizemos que é Riemann-integrável, ou simplesmente integrável em .
Na verdade, saber quando o limite existe, ou seja, determinar quais funções são integráveis, é um problema além dos objetivos dessa disciplina. Nós assumiremos o seguinte resultado sem demonstração.
Teorema 18 Se é contínua em então é integrável em . Se não é contínua em apenas um número finitos de pontos de mas é limitada em então é integrável em .
Como consequência desse teorema, se for contínua então basta uma escolha conveniente de e e determinar o limite da soma de Riemann.
Exemplo 70 A integral definida de , uma constante qualquer, no intervalo é dada, já que a função é contínua, pelo processo limite quando escolhemos e para tomamos e , e em cada intervalo tomamos e assim para cada
portanto, .
Exemplo 71 A integral definida de no intervalo é dada, já que a função é contínua, pelo processo limite quando escolhemos e para tomamos e , e em cada intervalo tomamos e assim para cada
Não é difícil constatar que , logo
portanto,
cujo limite quando é
Exemplo 72 Para dada por dividimos o intervalo em subintervalos , ,\dots, , para . Em cada subintervalo fazemos e temos
pois e , e como temos que
e
Exemplo 73 Seja definida em por se e . Essa função é limitada e descontínua em três pontos do domínio.
Para determinar usamos qualquer escolha de e . Quando calculamos os termos são exceto se ocorrer para algum , onde a soma vale , logo no limite .
Para determinar usamos qualquer escolha de e . Quando calculamos os termos são exceto se ocorrer para algum , onde a soma vale , ou se ocorrer para algum onde a soma vale , ocorrer e para algum e algum , onde a soma vale . Em todos os casos .
Para determinar usamos qualquer escolha de e e podem ocorrer
em qualquer caso, no limite quando os termos tendem a e no limite .
O caso acima exemplifica um fenômeno mais geral: a valor de não muda se alterarmos o valor da função num conjunto finito de pontos do intervalo. Além desse fato, vimos um exemplo de que uma função pode não ser contínua e ainda sim ser integrável.
Observação 4 , , e têm o mesmo significado, ou seja, o símbolo que usamos para a variável independente é indiferente.
A integral definida satisfaz as seguintes propriedades, dado que as integrais existem. Para e para qualquer
Funções não limitadas não possuem integral definida (reflita sobre isso). Notemos que ambas hipóteses do teorema 18 pedem função limitada, isso por que se é contínua em então existem e em tais que
para todo , pelo Teorema do valor extremo de Weierstrass. Ademais,
que pelo exemplo 70 resulta em
e como é contínua, para cada deve haver tal que , o que nos permite enunciar o seguinte teorema, tomando .
Teorema 19 (TVM do cálculo integral) Seja contínua em . Existe tal que
Vale o seguinte resultado mais geral.
Exercício 95 (TVM do cálculo integral — forma geral) Sejam e contínuas em e positiva. Mostre que existe tal que
— Teoremas Fundamentais do Cálculo —
Dada uma função contínua no intervalo fechado e fixada uma constante temos que
é uma função definida para todo . A taxa de variação dessa função é
e do teorema 19 existe tal que
e fazendo obtemos , isto é
espetacularmente, a derivada de é , ou seja é uma primitiva de .
Seguindo alguns autores, chamamos uma integral indefinida de e o fato deduzido acima de Teorema Fundamental do Cálculo.
Teorema 20 (Primeiro Teorema Fundamental do Cálculo (TFC)) Sejam contínua em e fixo, então dada por
é derivável em e para todo .
Observemos que se se mudamos o limitante inferior temos outra função primitiva cuja diferença para é uma constante, como era de se esperar
.
Exercício 96 Verifique que se definimos então .
Exercício 97 Seja uma primitiva de em . Mostre que .
Observação 5 No caso em que temos para qualquer , enquanto que (fixo) são as primitivas. No caso em que temos enquanto que é uma primitiva que não é para algum . Em resumo, se é uma primitiva de então para e constantes e, reciprocamente, fixadas as constantes tal expressão define uma primitiva de .
Daqui em diante não faremos distinção entre integral indefinida e uma primitiva e também chamamos
de integral indefinida.
Como consequência disso tudo temos que se é contínua num intervalo então nesse intervalo ela tem primitiva. Ademais, suponha que seja uma primitiva e que desejamos saber . Sabemos que , portanto, fazendo
Essa igualdade é tão útil que mereceria o nome de teorema fundamental do cálculo, mas como ele vale de uma forma mais geral da afirmação o segundo teorema fundamental é enunciado a seguir.
Teorema 21 (Segundo Teorema Fundamental do Cálculo (TFC)) Se é integrável em e é uma primitiva de em , então
Demonstração: Se é integrável então existe o limite
para quaisquer escolhas de e (), em particular, pelo TVM existe tal que
portanto
que é equivalente a
em particular,
portanto .
A seguinte notação é muito usada
Observacao 6 Esse resultado não é a definição de integral definida, há funções integráveis que não são derivadas de qualquer função (por exemplo se e ).
Exemplo 74 Fixados reais , sabemos que é uma primitiva de , portanto,
Notemos que o resultado é o mesmo se usamos para qualquer constante .
Exercício 98 (Desigualdade de Cauchy—Schwarz) Sejam e contínuas em . Então
Exercício 99 Seja uma função ímpar e contínua em (). Mostre que .
Exercício 100 (Mudança de variável) Sejam uma função contínua no intervalo e . Suponha com derivável em , e contínua em . Sejam tais que e . Mostre que
— Integrais impróprias —
Até agora integramos funções limitadas com número finito de descontinuidades num intervalo fechado. Agora, estendemos a definição para intervalos infinitos e funções com descontinuidades infinitas no intervalo, por exemplo,
A integral imprópria de no intervalo é
quando o limite existe, caso contrário dizemos que a integral imprópria diverge.
Por exemplo,
entretanto
portanto é uma integral imprópria divergente.
Analogamente, a integral imprópria de no intervalo é
quando o limite existe, caso contrário dizemos que a integral imprópria diverge, e a integral imprópria de no intervalo é
quando o limite existe, caso contrário dizemos que a integral imprópria diverge.
Por exemplo, para calcular tomamos na definição acima e
logo
Se é contínua em exceto por uma descontinuidade infinita em então a integral imprópria de em nesse caso é
e caso haja uma descontinuidade infinita em então a integral imprópria de em nesse caso é
Caso o limite não exista então dizemos que a integral imprópria diverge. Finalmente, se a descontinuidade infinita for em então
e dizemos que a integral diverge caso alguma das parcelas divirja.
Por exemplo,
portanto essa integral diverge.
Por exemplo
Uma primitiva da função é que pode ser determinada por substituição . Assim,
— Exemplo: Movimento retilíneo —
Sabemos que um corpo que se move em linha reta tem sua posição, velocidade e aceleração dados por , e , respectivamente, de modo que
Ademais, vimos no exemplo 69 que é uma primitiva de
e que fica completamente determinada se conhecemos, por exemplo, ; também, a partir daí, obtemos
e que fica completamente determinada se conhecemos, por exemplo, .
O deslocamento de um corpo ao longo de intervalo de tempo é , ou seja, é dado por
no entanto a distância percorrida ao longo desse intervalo é dada por
pois desconsideramos o sentido do deslocamento.
Notemos que se o movimento é uniformemente acelerado, isto é constante, então
e se então e
e a posição é
e se então e
como é conhecido de todo estudante do ensino médio.
Ideia da prova do Teorema 18 Se é contínua então em cada subintervalo a função é contínua, portanto, admite ponto de máximo e ponto de mínimo , pelo teorema de Weierstrass. Assim,
para quaisquer escolhas de e .
A diferença entre os limitantes inferior e superior é
e da continuidade podemos garantir se os ‘s forem suficientemente pequenos, portanto
consequentemente, no limite, a diferença é zero. Com isso, basta mostrar quer converge pois
Dadas as somas e consideremos uma soma definida pelas escolhas dos das somas anteriores tomados conjuntamente. Então
Vamos justificar a primeira desigualdade, a segunda tem justificativa análoga. O -ésimo intervalo da soma abrange um ou mais subintervalos da soma , os termos dessa soma correspondentes a tais subintervalos tem variação menor que o do -ésimo intervalo da soma com soma dessas variações sendo , e valor da função entre e . Portanto, essa parcela de termos da soma tem valor entre e .
De (33)
e de (32)
se os subintervalos são suficientemente pequenos. Com isso
Como pode ser feito arbitrariamente pequeno, pelo critério de convergência de Cauchy a sequência converge.